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Terra nos olhos dos barcelenses

Artigo de opinião de Miguel Costa Gomes

Quem dera que o Acordo das Águas pudesse ser resumido pela frase “uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma”, usando uma expressão do presidente da Câmara Mário Constantino. Infelizmente para os barcelenses, a mão que gizou o entendimento entre a Câmara de Barcelos e a Concessionária, em vez de manter o que havia sido conseguido no processo negocial durante a governação autárquica socialista, e em vez de melhorar as condições do texto do acordo a favor dos barcelenses, baixou os braços numa atitude de desistência e entregou “o ouro ao bandido”, se me é permitido usar esta expressão.

Depois de tantos prazos anunciados, mas nunca cumpridos, para a resolução do Acordo das Águas, cheguei a pensar que o presidente da Câmara, pelo efeito de uma qualquer varinha mágica que pudesse empunhar, apresentaria um acordo que tivesse em atenção o superior interesse dos barcelenses e, consequentemente, da coisa pública. Mas não foi isso que sucedeu, bem pelo contrário, porque o passe de mágica com que o Presidente da Câmara quer atirar terra para os olhos dos barcelenses é pura ilusão, tal como o coelho que os ilusionistas tiram da cartola. Não há magia alguma, apenas incompetência, porque em cima do contrato ruinoso e leonino iniciado em 2005, foram acrescentadas outras condições contratuais que em muito prejudicam Barcelos e os barcelenses.

Sobre este tratado de “Como se transforma um bom acordo num mau acordo”, alguns protagonistas políticos do passado – que foram, felizmente, muito poucos – vieram a correr em sua defesa, pronunciando-se sobre uma matéria que não dominam, comparando o que é por natureza incomparável. São exemplo disso (1) o pagamento de uma indemnização de 25 milhões de euros, o aumento da água em 38% e mais 10 anos de contrato ou (2) o resgate de 87 milhões de euros (que afinal eram 100 milhões de euros, contando com a taxa SWAP) e a abdicação de rendas a pagar pela concessionária, propostas que se autointitularam alternativas à proposta socialista que eu próprio liderei na qualidade de presidente da Câmara.

Em linhas muito gerais, a proposta do PS contemplava a aquisição pela Câmara de 49% do capital social da empresa Aguas de Barcelos SA no valor global de 59.5 milhões de euros, entre reequilíbrio financeiro, investimento na ampliação das redes de saneamento (de 62% para 80%) e água (de 90% para 92%) e a assunção de créditos dos acionistas, cujo investimento seria pago até ao final da concessão em 2034, de acordo com o modelo económico-financeiro apresentado. É importante esclarecer que este modelo apresentado pelo PS em 2017/18 não só impedia a execução da sentença, como expurgava várias cláusulas nefastas e penosas para os barcelenses, bem como repunha o princípio consagrado na lei de que o risco deve ficar sempre do lado dos privados. Muito haveria para dizer sobre esta solução e as que se dizem alternativas, mas a limitação de espaço não me permite fazê-lo.

Chegados a este ponto, o executivo da Coligação de Direita, de uma forma precipitada e irresponsável, talvez refém do seu presidente pelos prazos sempre anunciados e consecutivamente falhados de obtenção de um acordo ou até por complexos ideológicos e partidários, confronta agora os barcelenses com um novo pecado capital, com o qual se pretende corrigir o pecado original com um pecado ainda maior. Senão vejamos:

No texto da proposta da reunião de Câmara de fevereiro último, afirma-se que o município sob liderança socialista recorreu da sentença para várias instâncias judiciais, nomeadamente o Tribunal Constitucional, mas isso não corresponde à verdade. Aliás, o contrato existente – e ainda em vigor, apesar do caminho penoso dos tribunais e das negociações – possui uma cláusula a referir que o município abdica de qualquer recurso judicial. É esta, precisamente, a cláusula que eu apelidei sempre como “assassina”, por razões que se entendem. Infelizmente, esta cláusula é mantida no novo acordo, o que me parece incompreensível.

O reequilíbrio do novo acordo não é de 18 milhões de euros, conforme se afirma no texto, mas de 40 milhões, ou seja: a esses 18 milhões tem que se adicionar 7 milhões para investimento camarário e cerca de 15 milhões das rendas que a concessão deveria pagar à câmara.

Os aumentos tarifários, como se temia há muito tempo, são brutais. Recordo que já houve aumentos de mais de 10% em 2022/2023 sem que tivesse havido alguma contrapartida justa da Concessionária.

Outro aspeto preocupante é o caso base, que reflete a partir de 2024 aumentos brutais do volume de negócios da Concessionária, sendo já nesse ano o dobro de 2023, aumentando sempre até 2054 entre 100% e 300%, proporcionando-lhe um resultado liquido de 236,7 milhões de euros.

Uma vez mais, de forma incompreensível, comete-se o mesmo erro no cálculo do consumo médio de água por habitante do concelho de Barcelos. O novo contrato prevê um consumo atual de 103 litros que evoluirá em dois anos para 109 litros. Ora, estes valores são muito próximos do consumo médio do contrato original, que em 2005 era de 114 litros. Como é público, o PS insurgiu-se sempre contra este erro de cálculo clamoroso, até porque os dados mais recentes apontam para um consumo médio de 70 litros. Adivinha-se, assim, o pedido de reequilíbrio anual da concessionária e a fatura a ser paga pelos barcelenses.

Em caso de incumprimento dos consumos ou investimento da responsabilidade do município, o reequilíbrio financeiro da concessão, que no contrato original era de 5 em 5 anos, passou para uma base anual. Ora, analisando o Plano de Investimento do Município previsto para ser realizado em 2 anos (o plano de Investimento da Concessão será realizado em 10 anos), não será preciso ter muita experiência destes processos para se saber que não será exequível nesse espaço de tempo tão breve. Assim, se o plano do município não se realizar nesse tempo, que é o mais provável, haverá lugar a reequilíbrio financeiro, ou seja: mais uma fatura para os barcelenses pagarem.

Também não se compreendem os elevadíssimos tarifários fixados para o consumo de água da Câmara, Juntas de Freguesia e Escolas, que sofrem um aumento imediato de quase 200%. Salvo melhor opinião, estes aumentos brutais são uma forma camuflada de subsidiar a concessão, já que este custo é suportado pelo orçamento municipal.

Outro ponto do novo acordo que é, no mínimo, preocupante e revelador de insensibilidade política, é a obrigação de os barcelenses se ligarem à rede. Sobre este aspeto do acordo, recordo que foram proferidas decisões judiciais em sentido contrário, considerando ser ilegal a cláusula contratual que concede à Concessionária o direito de violação da propriedade privada sempre que assim tenha necessidade.

Embora ainda muito fique por dizer, não posso deixar de registar uma palavra de preocupação sobre um dos pressupostos mais graves do acordo, que é a sua prorrogação por 20 anos. Em meu entender, no caso em apreço não há lugar a prorrogação porque se trata de um contrato de primeira geração.

Por último, foi-me dada a informação de que este executivo entende que o novo acordo não está sujeito a visto do Tribunal de Contas, mas é certo e sabido que terá obrigatoriamente de passar pelo crivo desta instituição e também pelo da ERSAR – Entidade Reguladora do Saneamento e Águas Residuais. Caso o executivo camarário não o faça, deverá o PS exigir o cumprimento desse requisito legal.

Assim vai o (des)governo de Mário Constantino

Opinião

Miguel Gomes
03 de Mar de 2023 0

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