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“A direita capitulou, não conta, está fora da corrida”

Entrevista a José Maria Cardoso, candidato a deputado pelo BE

Entrevista na íntegra a José Maria Cardoso, candidato a deputado pelo Bloco de Esquerda.

José Maria Cardoso, 58 anos, barcelense cabeça de lista do Bloco de Esquerda (BE) pelo círculo eleitoral de Braga, nas Legislativas de 6 de Outubro, espera conseguir eleger dois deputados, conseguindo, dessa forma, alcançar o melhor resultado de sempre do partido. Em entrevista ao Barcelos Popular, fala das conquistas que foram conseguidas na inédita geringonça entre PS/BE/PCP/Os Verdes, mas reconhece que ainda muito falta fazer, como é o caso da construção do novo hospital de Barcelos.   

 

PERFIL

José Maria Cardoso é professor na Escola Secundária Alcaides de Faria (ESAF), coordenador da avaliação interna do Agrupamento de Escolas Alcaides de Faria e dirigente sindical.

Politicamente, foi co-fundador do Bloco de Esquerda no distrito de Braga, desempenhou cargos distritais e concelhos do partido, e foi candidato várias vezes, tanto a presidente da Câmara de Barcelos, como nas Legislativas, sendo esta a segunda vez que é cabeça de lista por Braga. A primeira tinha sido em 2002.

É membro da Mesa Nacional do BE.

 

 

 

Uma das principais propostas do Bloco tem sido o resgate para a esfera pública dos serviços que foram privatizados, bem como o reforço dos serviços públicos já existentes. Em Barcelos temos o novo Hospital que tarda em avançar. Não acha que foram criadas falsas expectativas à população quando, na altura do Orçamento do Estado para 2019, disseram que ele iria avançar este ano?

Um dos aspectos que o programa do Bloco muito insiste é a dignidade e a qualidade dos serviços públicos. Não basta dizer que toda a gente defende o Serviço Nacional de Saúde, a escola pública ou a Segurança Social. É preciso criar condições para que tudo isto realmente funcione. E é verdade que grande parte dos serviços públicos, no Governo anterior, da Troika de Passos Coelho, foram desmantelados. Havia uma intenção declarada de muitos destes serviços serem privatizados, mas também é verdade que, tendo feito alguma reversão desta política da direita, nem todas as necessidades prementes dos serviços públicos foram atendidas nesta legislatura e há algumas falhas imperdoáveis. Uma das grandes insistências que vamos continuar a fazer é a de que o investimento público seja muito maior, mesmo no número de profissionais. Não se pode querer que um Serviço Nacional de Saúde funcione bem se durante anos retiramos de lá profissionais. O Serviço Nacional de Saúde, que faz agora 40 anos, é uma das imagens da democracia, do 25 de Abril, de um Portugal diferente.

Relativamente ao novo hospital de Barcelos, é uma das estruturas físicas que defendemos para o distrito, como defendemos uma cobertura total dos centros de saúde no distrito, serviços de atendimento permanente. Por exemplo, é muito importante termos serviços de urgência nas sedes de concelho do distrito. É fundamental que as pessoas sintam que este sistema está próximo delas e que atende todas as pessoas por igual. E o novo hospital de Barcelos insere-se nisto e é, talvez, a estrutura física mais importante a ser construída proximamente no distrito. E Bloco de Esquerda tem estado na frente da luta pela construção do novo hospital e no ano passado o que o BE conseguiu inscrever no Orçamento do Estado foi o início dos procedimentos concursais e nós sempre dissemos isto. E o Orçamento do Estado ainda está em vigor e estaremos atentos até ao final do ano se isto não acontecer.

 

Mas não acha que este processo continua muito demorado? Já estamos praticamente no final do ano.

Sem dúvida nenhuma. Já devia estar feito. E é algo que temos de continuar a pressionar. E pós-eleições de 6 de Outubro, uma das nossas exigências vai ser que neste Orçamento do Estado seja cumprido aquilo que lá foi inscrito. Um Orçamento do Estado tem que ser respeitado. Não é como alguns deputados da nossa terra vieram dizer, que não vale nada.

 

Não acha que é fundamental no próximo Orçamento do Estado serem inscritas verbas e datas para a concretização do projecto?

Obviamente. Estivemos na ARS Norte, há um mês e tal, e foi-nos dito pelo novo presidente do Conselho de Administração que até finais de Outubro, início de Novembro iriam entregar para discussão uma proposta de projecto para o Hospital.

Mas também queremos saudar a passagem para a esfera público do Hospital de Braga, no dia 1 de Setembro. É preciso distinguir os sectores que compõem o Sistema Nacional de Saúde. O Serviço Nacional de Saúde tem que ser obrigatoriamente público, e distinguir o que é público, privado e social e a cada um compete-lhe funções diferentes, que em alguns casos podem-se complementar.

 

A saúde está pior agora do que no tempo da Troika, como acusam PSD e CDS, ou o ponto de partida de há quatro anos era muito mau?

De maneira alguma. Aliás, por isso é que o Bloco se orgulha muito deste acordo parlamentar com o PS e de o ter cumprido na íntegra. Se em algum momento alguém não cumpriu aquilo que estava estipulado e fez alarido sobre uma hipotética queda do Governo foi o próprio PS, aquando do problema dos professores, e depois fez outra tentativa do género na greve dos motoristas, nas aí não correu tão bem. O PS é que quebrou, nestes momentos, o acordo no sentido de alarmar a população com a hipotética queda do Governo. Portanto, a situação na saúde não está tão má, mas não significa que esteja boa.

 

Na sessão pública de sábado disse que estes quatro anos serviram para estancar a perda de direitos e que os próximos quatro terão de ser para investir.

Exactamente. Têm de ser de conquista. Nestes quatro anos o trabalho do Governo deu alguns resultados, estancando a perda de direitos e iniciando a reversão de uma forma lenta, num processo que nós discordamos, sobretudo com a imagem do défice a ser muito superior aquilo que são as necessidades da população. O estigma do défice zero foi a linha de orientação que este Governo teve, muito marcada pela posição do ministro das Finanças e pela boa imagem que tem que se dar em Bruxelas, e isso levou a rupturas em alguns serviços. Temos rupturas dramáticas no Serviço Nacional de Saúde e na escola pública. Veja o que acontece com os assistentes operacionais, as escolas estão com gravíssimos problemas, tornando inviável a qualidade de serviço. E o próximo Governo tem que ter isto como meta e será uma das nossas grandes batalhas.

 

Quem ganhou mais nestes quatro anos com a geringonça, o PS, o Bloco ou a CDU? E não vale responder que foi o país.

Mas o país foi mesmo, sem dúvida. Não se pode medir dessa forma, de posições de ranking, quem ganhou mais ou menos. É evidente que quem governou foi o PS. Não há nenhuma intromissão governamental, nem do Bloco nem do PCP. O Bloco, o PCP e Os Verdes fazem um acordo de incidência parlamentar, com pontos muito específicos.

 

Mas vocês defendem que muitas das medidas que o PS implementou foram por pressão do Bloco.

Mas não tenha a menor dúvida. Aliás, não é por acaso que o PS defende a maioria absoluta. Veja as afirmações de Mário Centeno, que, no fundo, disse que a necessidade do acordo com Bloco e CDU foi um empecilho.

Mas há uma questão política e ideológica interessante de se discutir. Percebe-se perfeitamente que a direita eleitoralmente capitulou, não conta, está fora da corrida. Luta para perder por poucos, e nem que para isso implique muitos dos seus eleitores votarem no PS para correrem com o Bloco e o PCP da influência sobre o Governo. Este é o objectivo do PSD.

 

Não colocam o cenário de um acordo pós-eleições entre PS e PSD?

Vai depender sempre de resultados, mas neste momento falar sobre isso é um bocado na base da suposição. O que vai contar é se o PS ganha ou não com maioria absoluta e quem pode tirar essa maioria, atendendo às sondagens e ao que se vai sentido no terreno, é o Bloco de Esquerda e por isso este grande ataque que o PS faz ao Bloco. E repare neste dado sintomático: o PS tinha inscrito no seu programa, há quatro anos, o congelamento das pensões. Isso não se fez porque a esquerda forçou a descongelar e a ser feita uma recuperação, embora ainda muito ténue, o que é um gravíssimo problema, com pessoas que trabalharam 30, 40 anos continuam a ter reformas inferiores a 300 euros mensais. Isto é obsceno, vergonhoso!

O PS também não tinha inscrito no seu programa o aumento do salário mínimo, mas se se aumentou de uma forma significativa neste mandato foi por força dos partidos à esquerda do PS. Portanto, estes avanços que se deram foram por força de BE, PCP e Os Verdes.

 

Tendo sido a primeira vez que um Governo funcionou com o apoio parlamentar à esquerda, esperava que esta legislatura chegasse até ao fim? O diabo não apareceu, como tinha dito Passos Coelho. 

Havia muitas dúvidas. A direita insurgiu-se muito contra esta solução, dizendo que iria durar meia dúzia de meses, que ao fim de cada Orçamento, no Orçamento seguinte é que ia cair, mas o que é certo é que durou os quatro anos, e muito pela confiança que os partidos à esquerda fizeram naquilo que foi acordado. Mas as eleições anteriores mostraram-nos outras coisas. Caiu o mito do voto útil, de termos que votar para primeiro-ministro. Na verdade, o PS não ganhou as eleições e no entanto o primeiro-ministro é do PS. Caiu outro mito, que só se podia fazer governos, em acordo ou em alternância, entre a direita e o PS. Por outro lado, mostrou que o PS, puxado à esquerda, tem muitos mais contributos para o país em termos da defesa dos mais desprotegidos, do que encostado à direita, e em acordos com o PSD e muito menos com o CDS. E as pessoas quando forem votar no dia 6 de Outubro também têm de pensar sobre isto.

Estamos num momento de premência na actuação, como no tema das alterações climáticas e de hábitos de consumo, e o Bloco de Esquerda é aquele que apresenta o programa que melhor responde a estas necessidades.

 

O Bloco é um partido diferente de há quatro anos?

Aprende-se muito. O Bloco sempre foi um partido de pluralidade, debate-se muito. Agora, esta discussão nunca tinha sido feita nestes termos, a ter de se defender, muitas vezes, medidas do próprio Governo. Sempre fomos um partido de oposição. Mas esta experiência deu consistência às posições do Bloco, amadurecimento e abre a discussão a outros pontos de vista.

Se vir o programa do Bloco de Esquerda, neste momento está perfeitamente apto para governar o país. É um programa de Governo que aqui está.

 

Francisco Louçã, no sábado, disse que o Bloco já ultrapassou a CDU, o CDS e que ‘ainda’ não ultrapassou o PSD. Acha que isso pode vir a ser possível?

No imediato isso não se equaciona. O tempo o dirá. Deixemos as pessoas votar.

 

Vocês defendem a suspensão, ou fim, de explorações como a do lítio ou projectos como a da Linha de Muito Alta Tensão, que estão em Barcelos. Como é que isso é possível?

São coisas diferentes. A Linha de Muito Alta Tensão tem-se arrastado no tempo. Nunca ninguém explicou qual a necessidade da criação desta linha. Começou por ser apresentada como a criação de um corredor energético entre Portugal até França, depois passou a ser uma linha de circuito ibérico e hoje percebe-se que nada disso é verdade e que servirá de escoamento para uma produção energética que está ser em abundância, no âmbito do Plano Nacional de Barragens, que vem do tempo de Sócrates. É necessário isto? Construir um número tão elevado de barragens? É discutível, até porque as barragens têm impactos ambientais. Em Cabeceiras, por exemplo, aquilo é um atentado ambiental.

Depois, dizer-se que é demagogia quando fazem a relação directa entre a Linha de Muito Alta Tensão e problemas de saúde? Admito. Agora, ninguém diz que não faz mal. Por isso, o princípio de precaução e prevenção tem que funcionar e não podemos correr o risco de estarmos a fazer esta linha e daqui a uns anos estarmos a detectar um conjunto de problemas, neste caso concrecto estamos a falar de vidas humanas, património e de recursos agrícolas e isso não tem sido atendido.

As populações nunca foram ouvidas.

 

O Bloco tem lançado várias suspeitas sobre a acção da Câmara.

E continuamos a lançar. Não é entendível. Não vou dizer que há conluio, mas os factos mostram-nos que há dados que encaixam uns nos outros. O presidente da Câmara não tem tido uma atitude muito correcta. Assumiu, como noutros casos, a responsabilidade política mas depois trata as questões como se fossem um segredo, um negócio de parceiros, oculto, como aconteceu com a água. A Câmara é uma instituição pública, tudo tem que ser conhecido e tratado.

A exploração do lítio é um produto muito apetecível. Os seus defensores dizem que para se de descarbonizar, diminuir os níveis dos consumos fósseis, estas explorações são necessárias. Mas o problema coloca-se da seguinte forma: a exploração é mais vantajosa para a descarbonização ou não? A empresa que vai fazer a prospeção aqui é uma multinacional australiana, pouco importada com as implicações da exploração, mas as populações que estão próximas já não é a mesma coisa. Portanto, enquanto não forem explicadas das consequências desta exploração, seremos frontalmente contra.

 

O que é que o Bloco vai defender relativamente à reforma das freguesias? Sempre bateram muito na questão de as populações serem ouvidas.

Sim, temos isso no programa também. Essa reforma, a Lei Relvas, foi feita a regra e esquadro. Nunca houve nenhuma explicação, foi uma imposição. Portanto, não há razão nenhuma para a manter, se não for pela vontade das populações. E como se pode saber isso? Não é simplesmente através das posições das assembleias ou juntas de freguesia. Também é importante, mas tem que haver um modelo referendário da população, se querem manter a união, fazer a reversão, ou até criar uma nova união Qualquer freguesia está em condições de ser ouvida. Isto até faz parte da democracia participativa.

 

A electrificação da Linha ferroviária do Minho não é um projecto manco?

Por causa das passagens de nível? Sim, mas não só. É benéfico, sem dúvida. Perca por tardio. A Linha do Minho já esteve em vias de ser desactivada e a electrificação recuperou a via e permite diminuir a emissão dos gases com efeitos estufa. Temos um Plano Nacional da Ferrovia, reprovado na Assembleia da República, mas um dos objectivos é cumprir as metas da descarbonização e passa muito pelo comboio.

Mas a electrificaçao da Linha do Minho deveria ser complementada de outra maneira. Em partes do troço, por exemplo, poderiam ser de via dupla. Pareceu-nos uma coisa feita à pressa, pouco pensada no tempo.

 

O Bloco defende também a criação de uma linha que ligue os quatro concelhos do quadrilátero (Barcelos, Braga, Famalicão e Guimarães).

Sim. Vamos ter uma iniciativa, dia 22, para chamar a atenção para isso, no Dia Europeu Sem Carros. Vamos fazer a viagem de comboio entre Braga e Guimarães. Neste momento, demora 2h15! São 20 kms de distância. Tem de se vir a Nine, em Famalicão apanhar o comboio para Lousada e de Lousada outro para Guimarães. De carro a viagem demora 15 minutos! Como é possível? Como é que o comboio assim é alternativa ao carro? Não é.

 

Quais são os compromissos do BE mais importantes para o distrito?

Inserem-se muito nos nacionais. No combate às alterações climáticas, com esta questão da melhoria e aposta nas vias ferroviárias, com a preservação do Parque Nacional da Peneda do Gerês, o Parque Litoral de Esposende, numa espécie de balizas ambientais que o distrito tem. O caso dos rios. Veja a necessidade premente, de há décadas, de despoluição de rios como o Cávado, Ave, Vizela, Selho, até para usufruto das populações. Criar condições para a concepção de verdadeiros transportes colectivos, a melhoria dos serviços públicos, de que já falámos. A criação do Serviço Nacional de Justiça para os mais carenciados.

Outro aspecto muito importante é a coesão territorial.

 

A reinstalação desses serviços públicos também combateria essa desertificação.

E de que maneira! Não é a única medida, mas é uma das mais importantes. Uma senhora em terras de Bouro a falar comigo lamentava-se pelo facto de os filhos formarem-se e saírem. Questionava-se o porquê deles se formarem e não ficarem na terra deles, porque isso serviria para contribuir para o desenvolvimento da sua terra. Mas essas pessoas não podem ficar porque não têm sítio para onde trabalhar. Foi-lhes tudo retirado. É preciso criar mecanismos que fixem a população. É muito bonito irmos ao Gerês tirar umas fotografias, porque achamos pitoresco esta ou aquela localidade, mas depois nós vimos para o conforto da nossa casa e eles é que ficam lá o ano todo.

 

Acha possível o BE chegar ao segundo eleito por Braga, algo muito perto de acontecer há quatro anos?

Acho que sim. A nossa campanha tem tido muito boa aceitação. Somos uma lista muito dinâmica, de trabalho, são pessoas que têm conhecimento da terra de onde são, de áreas variadas, como a causa animal, a causa ambiental, e são reconhecidas pelas populações. É gente muito ligada a movimentos contra o preconceito e conservadorismo, como o LGBT.

Mas sobre o resultado de 6 de Outubro, temos um princípio: cada um tem os votos que merece, em função do seu trabalho e credibilidade.  

Entrevista

Barcelos Popular
Texto
02 de Out de 2019 0

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