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"Não fazemos grande distinção entre Miguel Costa Gomes e Domingos Pereira"

Entrevista a José Ilídio Torres

Devido a questões de espaço na edição, a entrevista a José Ilídio Torres não foi publicada na íntegra. Por essa razão, publicamos agora a entrevista completa ao candidato do BE a presidente da Câmara, realizada no dia 13 de Abril.

Entrou na política há apenas três anos. Entretanto, já é membro do Bloco de Esquerda na Assembleia Municipal, em 2015 foi o 3º na lista por Braga à Assembleia da República e é, agora, o candidato a presidente da Câmara. Qual a razão para esta ascensão meteórica?

Não considero que seja uma ascensão meteórica. O que tenho feito é uma militância, desde que entrei para o partido e penso que tenho mostrado determinação e capacidade de argumentação, que acho que é algo que às vezes faz falta na política barcelense. O meu papel na Assembleia tem mostrado assertividade, tenho levantado questões que são importantes e isso de alguma forma não é estranho dentro do partido. O partido vê-me como um quadro importante e eu faço por corresponder a essa confiança que vão depositando em mim. De qualquer forma, o aparecimento na lista à Assembleia da República também é um sinal da vitalidade e força que a Concelhia tem na estrutura distrital do partido. Foi pena não termos metido o segundo elemento, ficámos a muito poucos votos, oitenta e tal, mas estou convencido que numa próxima oportunidade iremos reforçar esse eleitorado aqui no distrito.

 

A nível distrital o Bloco teve um bom resultado. Mas a nível local as coisas estavam um pouco indefinidas. Que avaliação faz do desempenho de Mário Costa na Assembleia Municipal e como viu a indefinição na bancada com vários elementos a não quererem assumir o lugar daquele que foi o cabeça de lista em 2013. Sente que a sua entrada na AM foi uma solução de recurso?

O meu aparecimento marca, no fundo, em termos pessoais, uma época de viragem. Chegamos a uma determinada fase da vida em que achamos que chega de sermos críticos e de discutirmos política no café ou sentados no sofá. Eu estava nesse momento de dar o salto. O aparecimento na lista do Bloco acaba por ser por um lado algo surpreendente para mim, porque estava em 5º ou 6º lugar na lista, houve algumas desistências, o Mário saiu. Mas quando questionado pelo partido, a minha resposta foi muito rápida. Estava preparado para esse papel e foi de uma forma natural que encarei o desafio. E também disse na altura ao Barcelos Popular que a partir do momento em que aceitasse o lugar pretendia ir até ao final do mandato. O partido tinha uma certa política de rotatividade, que vinha mantendo, mas eu coloquei um pouco isso como condição, o que acabou por me conferir algo que é fundamental neste momento: um conhecimento da realidade local bastante grande, permitindo-me estruturar hoje um pensamento para o futuro de Barcelos.

 

E um mediatismo que não teria se não fosse membro da AM.

Claro que se fossemos uma bancada de cinco, seis ou mais elementos, certamente que a minha preponderância não seria tão grande. Estar sozinho na Assembleia, para o melhor e para o pior, confere alguma visibilidade. Mas relativamente ao Mário, ele teve um papel importante na Assembleia. É uma pessoa com ideias próprias, vincadas. Aliás, o Bloco é um partido onde impera o pluralismo. E o Mário tem as suas convicções bem fortes e serviu o partido de uma forma que considero muito honrosa. É um elemento que faz falta ao partido. O José Maria Cardoso, durante a apresentação das nossas candidaturas, disse que era altura das pessoas que estão mais afastadas do partido virem até nós e colaborarem nestas eleições. Toda a gente faz falta. Mesmo havendo divergências entre os membros da Concelhia, que é uma coisa perfeitamente normal, acho que o momento é de convergência. Todas as pessoas são bem-vindas a esta sede. Aliás, temos sempre as portas abertas, muitas das reuniões da Concelhia são abertas também a aderentes e outras pessoas que convidamos.

 

Quantos aderentes é que tem o Bloco em Barcelos?

Penso que acima de uma centena.

 

Não acha que devia haver mais militância?

Essa é uma das situações que já discutimos e procuramos de alguma forma alterar. Porque esta candidatura e a forma viva como ela vai ser feita, porque estou muito determinado a fazê-la de uma forma aberta à sociedade, poderá, de alguma forma, capitalizar novas entradas no partido. O Bloco de Esquerda é um partido que não tem os mesmos anos na vida política que outros partidos que já cimentaram a sua posição. Mas está a fazer um trabalho, não só a nível de Barcelos, mas nacional, que pode trazer até nós aderentes e simpatizantes, porque temos estado na primeira linha das políticas em Portugal. Dando o apoio a um Governo do PS, mas mantendo a coerência com o seu próprio programa.

 

Sobre essa questão de chamar as pessoas novas para o Bloco, José Maria Cardoso tem sido sempre cabeça-de-lista, ora à Câmara, ora à Assembleia. Isto é resultado também da reduzida militância?

Provavelmente haverá aí um nexo de causalidade. De qualquer das formas, o José Maria teve e tem um papel fundamental na vida e na história do Bloco de Esquerda. Portanto, é sempre um rosto em quem se pensa quando partimos para uma luta eleitoral. O meu aparecimento é sinónimo de alguma renovação que é necessária fazer. Há outras pessoas, jovens, que têm vindo até nós, que vejo com muito potencial para começarem a participar na vida do partido. Acho que o próximo acto eleitoral vai ser muito marcante para o Bloco. Estou convencido que vamos ter um resultado muito interessante em Barcelos. Mudámos de sede, aqui para o centro da cidade, defendo muito que a sede deve ser um espaço aberto. Aliás, temos um funcionário do partido que vem aqui uma vez por semana para receber pessoas, ou para tratar de diligências mais administrativas, mas a sede deve ser também um ponto de encontro, de cultura, de debate durante a campanha eleitoral.

 

O que falhou para não terem conseguido o candidato independente à Câmara? A maioria da lista sempre vai ser constituída por independentes?

Esse é um dos objectivos, tal como há quatro anos, na candidatura de José Maria Cardoso, da qual fui mandatário. Tinha muitos independentes e é sinal da abertura que o Bloco faz à sociedade civil. E a lista que estou a formar também vai ter muitos independentes, numa perspectiva de 50/50. Resgata, também, uma geração de barcelenses que andava muito amorfa e escondida e que é a minha geração também. Digamos que fui atrás de gente que no 25 de Abril tinha 7, 8, 10 anos, ou seja, os putos de Abril, e estou a trazê-los para a lista. Sempre achei que esta geração estava muito confinada à discussão de café e que precisava de vir para a ribalta. Os independentes acrescentam pluralismo, abrangência, essa lufada de ar fresco que o partido também precisa para se renovar.

 

Mas o que aconteceu para falhar o candidato independente a presidente da Câmara?

Inicialmente tínhamos em mente um independente, alguém de reconhecido mérito em Barcelos. Foram feitos alguns contactos, não muitos. Obviamente que ser independente numa estrutura como a do Bloco de Esquerda implica também alguma união em torno dos objectivos do partido. O partido tem um programa, ideais fortes e teria de ser alguém que de alguma forma também correspondesse a este perfil. Feito o balanço daquilo que foi feito, e sabendo o partido da minha disponibilidade, com o decorrer do tempo fomos todos verificando que era preciso uma pessoa comprometida com a realidade local, que soubesse que dossiers estávamos a tratar, que tipo de problemas se colocavam a Barcelos e de uma forma natural eu fui encaixando cada vez mais nesse perfil.

 

Essa vossa decisão também mudou por causa do que disse José Maria Cardoso no anúncio da candidatura, que depois do que se passou a 6 de Maio na Câmara era preciso alguém que dominasse os dossiers? 

Isso era um aspecto muito importante. Ir buscar alguém que não estivesse directamente ligado à vida política, que pudesse ser reconhecida na cidade como alguém que pluralista que pudesse cativar várias sensibilidades e dar uma imagem de abrangência da candidatura. Mas depois colocava-se a questão se essa pessoa teria a capacidade no seio da discussão política ter o conhecimento dos dossiers, dos episódios na Assembleia, de todo um conhecimento que não podia escapar ao confronto que acho que vai ser duro. Acho que vamos ter uma campanha marcada por confrontos, por insinuações, embora espero que não aconteça. E o Bloco, não alinhando nesse tipo de postura, não pode deixar de ter uma posição política sobre a forma como as coisas forem acontecendo.

Mas acha que a campanha vai ser política ou resvalar para aquilo que se passou a 6 de Maio?

Acho que vai resvalar para aspectos muito pessoais. Principalmente no seio do PS, que parece que esta dividido e que eu não sei muito bem quem é quem. Mas também no seio do PSD. Isto que se passa em Barcelos é uma situação perfeitamente insólita. Se fosse candidato por um partido e não fosse apoiado pela Comissão Política Concelhia e Distrital, demitir-me-ia do cargo, obviamente.

 

Acha que Miguel Costa Gomes devia ter-se demitido.

Sim. Não tinha condições, sendo rejeitado pela Concelhia e pela Distrital, que são os órgãos do partido mais conhecedores da realidade local, que no fundo representam as pessoas de Barcelos, e ser apoiado pela Nacional que está em Lisboa e que observa de longe a realidade política local, penso que Costa Gomes devia ter tido uma posição de sair.

 

O que é que acha que o fez manter-se?

Orgulho?

Sem dúvida. Acho que Costa Gomes às vezes tem alguns tiques de despotismo, digamos assim, de absolutismo e que parte um pouco da sua própria personalidade, que é algo egocêntrica. Costa Gomes tem um discurso, e isso é que é pernicioso, de que está muito virado para a cidadania. Só que não é só dizer a palavra da boca para fora e depois não a cumprir. Aliás, vejam o que está a acontecer com o Orçamento Participativo. Foi anunciado neste Orçamento para 2017 uma fatia simbólica, mas importante, e até ao momento não vi sequer subir à Assembleia Municipal as regras do documento. Não foi feito e temo que essa verba vá transitar para o Orçamento seguinte ou até que tenha sido já gasta. Não duvido, com os problemas financeiros que a Câmara vem evidenciado. Ou seja, isto é um sinal do incumprimento dessa cidadania. 

 

Acha que o cenário mais provável será alguém vencer sem maioria?

Vejo difícil que neste momento alguém consiga maioria. O PSD podia ter essa oportunidade, mas acho que essa oportunidade já passou. Quando foi anunciado Sérgio Azevedo pensei, ‘arranjaram alguém pacífico, afastado de qualquer confusão… o PSD está no caminho certo (para eles, errado para nós)’. O problema é que são sete cães a um osso e foi na altura em que ele foi deixado para trás que o PSD meteu água.

Estamos perante uma situação inusitada e surrealista. O aparelho socialista apoia um candidato independente, não apoia aquele que é apoiado pela estrutura nacional. Não pode segurar bandeiras do PS e penso que a dificuldade que eles vão ter vai ser chegar às pessoas e fazê-las perceber, sobretudo na parte menos urbana do concelho, de que o partido está a apoiar um candidato que não é do partido, que se desfiliou. Depois, Miguel Costa Gomes fará uso da máquina nacional. É um facto que o eleitorado está partido. E até pode acontecer de nenhum deles vencer as eleições, o PSD sair vencedor e se aceitarem o lugar até serem os dois vereadores da oposição. Agora, o Bloco estará aberto, depois das eleições, a discutir uma participação num Governo da cidade. Se o PSD ganhar as eleições, isso será um dado a excluir. 

 

Com quem será mais fácil negociar?

Não sei. Nós olhamos para o PS e não fazemos grande distinção entre Miguel Costa Gomes e Domingos Pereira. Há um ano eles eram uma e a mesma pessoa, ou pareciam ser. Mesmo quando a oposição levantava a ideia de que havia conflitos entre os dois, sempre afirmaram posição de grande unidade. E na Assembleia Municipal, nessa altura, tornava-se difícil aprovar uma medida que não fosse de encontro à posição do PS. Com a cisão, tornou-se mais fácil ao Bloco de Esquerda, e a outros como a CDU, fazê-lo. Mas o Bloco aprovou muitas propostas e moções fruto dessa cisão que aconteceu no seio do PS. O Miguel Costa Gomes tentou mais do que uma vez fazer passar a ideia de que o Bloco de Esquerda fazia o frete ao PS. Nunca o fez. Insinuou em relação a esta comissão formada sobre a Linha de Muito Alta Tensão.

 

Mas não acha que o PS também se aproveitou dessa situação para atacar o presidente da Câmara? Porque antes chumbava tudo da oposição e a partir da cisão começou a aprovar.

O que queremos é que as nossas ideias e políticas entrem no debate e que sejam aprovadas as nossas propostas. Se o PS ou uma fação do PS apoia as nossas posições, óptimo, porque estamos a fazer passar a nossa mensagem. Como é óbvio, quem está a aprová-las é a facção que está mais ao lado de Domingos Pereira e isso pode, de alguma forma, conferir algum conforto ao Domingos Pereira pensar em algum tipo de parceria. A ver vamos.

 

Quem é mais confiável? Costa Gomes ou Domingos Pereira?

Nunca me intrometi nem o Bloco de Esquerda se intrometeu neste assunto. Volto a referir que no caso de Miguel Costa Gomes não tendo o apoio do partido tinha-me obviamente demitido. Mas todo o processo é complicado, é da responsabilidade e da vida interna do PS. Se estivesse na posição dele tinha-me demitido, até porque uma Câmara a funcionar com dois vereadores é uma Câmara que não é, do ponto de vista da representatividade, democrática, digamos assim. Dois vereadores fazem o trabalho de seis, sem o poder de decisão, mesmo que as duas pessoas envolvidas, e eu sei que a dra. Armandina tem uma enorme capacidade de trabalho e é uma pessoa com quem simpatizo, mas convenhamos que duas pessoas a gerir uma Câmara como esta não podem as coisas correr da mesma maneira como correriam com um Executivo bem organizado. E a prova disto é que depois de 6 de Maio o que se tem visto é discussão entre Miguel Costa Gomes e Domingos Pereira. Um diz uma coisa, outro diz outra, um responde, o outro ataca e os problemas de Barcelos continuam por resolver. Não se fala da cidade, de políticas, fala-se de egos e de ambições políticas. E isso é sintomático de uma Câmara esvaziada de legitimidade.

 

Em 2009, naquele que foi o melhor resultado de sempre do partido, o Bloco conseguiu três eleitos na Assembleia Municipal. Aproveitando esta crise política de que falou, este ano pode ser o ano do Bloco? Acha possível igualar esse resultado?

Acho que é possível superar. Tenho confiança nisso e acho que um grupo municipal mais forte, constituído por mais elementos, só tinha a acrescentar qualidade ao debate político. O resultado ideal? Não tenho números, mas gostava que fosse um grupo municipal bastante composto, formado por homens e mulheres, porque temos muito essa preocupação da paridade, e a minha lista à Câmara também vai ter essa preocupação. Mas estar no grupo municipal sozinho é trabalhoso, complicado, mas também tem trazido a experiência que me faltava.

 

Acha que a rotatividade prejudicava um bocado esse acompanhamento dos dosseirs?

De alguma forma sim. Embora a rotatividade esteja afastada, neste momento, do Bloco. É importante que as pessoas que estão em cargos no poder local sejam pessoas capazes de desenvolver políticas coerentes que se prolonguem no tempo. Penso que a rotatividade prejudicava um pouco isso.

 

Fora do perímetro urbano o Bloco tem tido alguma dificuldade de implantação. O que é que tem falhado e quais são os objectivos nestas eleições?

Reparem que somos um país tão pequeno e com marcas de interioridade tão grandes que se vêem nos próprios concelhos. Nós afastamo-nos do centro urbano e entramos num mundo rural muito tradicionalista, muito agarrado a determinadas questões ideológicas, e torna-se muito difícil a um partido como o Bloco entrar neste tipo de esfera. De qualquer das formas, penso que a própria visibilidade nacional que o partido tem tido, com posições muito coerentes e assertivas, podem alterar alguma coisa. Isto é uma luta que se faz com o tempo. Não é fácil. Há ainda muito o estigma do ‘vêm aí os comunistas comer as criancinhas’. Mas se o partido tiver uma forte implantação, com pessoas reconhecidas nesses locais, mesmo que não consiga nesta fase, no futuro conseguiremos. Mas posso-vos garantir que vamos ter listas em mais freguesias do que há quatro anos. Não traço um cenário de ganharmos juntas fora do perímetro urbano, mas se conseguirmos meter pessoas estaremos a traçar um começo de uma nova era e de uma nova política autárquica. Mas é um processo demorado e bastante difícil. Lutamos não só contra essas questões de preconceito, mas que com o tempo tenho a certeza de que irão sendo mudadas.

 

O Bloco foi o autor da moção que deu origem à criação da Comissão da Assembleia Municipal conta a Linha de Muito Alta Tensão. Porquê a necessidade da criação desta comissão e de deixar Costa Gomes de fora?

A moção foi um acto político, mas o trabalho que a comissão tem feito veio dar razão àquilo que é fundamental: haver neste assunto tão delicado para Barcelos a participação de todas as forças políticas, o que não acontecia. Miguel Costa Gomes centralizou muito esta questão, sempre disse que era uma questão política, mas que ele pretendia resolver sozinho. Isto é uma das habilidades do senhor presidente: ele perante determinado assunto, enuncia sempre que vai convocar as forças vivas da sociedade, os partidos políticos. Quantas vezes é que o fez? Em relação à água nenhuma e cm relação à Linha foi a mesma coisa. A moção deixava em aberto a participação do presidente da Câmara, mas ele optou por delegar funções numa pessoa de sua confiança que tem estado presente nas várias diligências que a comissão tem feito.

No texto da moção, o BE disse que o tempo do presidente tinha acabado, portanto, era normal que ele delegasse funções.

Isso é a força política de uma moção, mas os líderes políticos têm tido uma postura muito equilibrada e moderada no seio da comissão. Ninguém tem trazido a questão de uma forma individual para a rua. Temos um representante, que é o presidente da Assembleia Municipal. A comissão trabalha de uma forma muito colegial, mas não sejamos inocentes, quando entrarmos na campanha eleitoral, os partidos vão fazer questão de ter a Linha como parte dos seus objectivos mas é preciso que o façam de uma forma que não seja confrontando outros partidos. Eu penso que isso está devidamente acautelando pela própria constituição da comissão. Reúne-nos um problema fundamental e as forças políticas estão unidas neste aspecto. Contrariamente ao que o presidente da Câmara tentou fazer, esvaziando o poder desta comissão, penso que a comissão tem feito um trabalho importante. Temos sentido, quando estamos nos gabinetes com os vários governantes, que há algum embaraço, ou muito embaraço pela nossa presença. Eles deviriam achar que isto ia ser pacífico e que ia ter de acontecer, mas não vai ter de acontecer, estas linhas não servem as populações. Perante um cenário drástico de diminuição das populações, vamos ter sobras de energia e a REN, como é uma empresa privada, vai querer garantir os seus lucros.

Vocês estão convictos de que vão vencer esta luta? O presidente também teve reuniões em Lisboa, algumas com representantes da AM, e, pelos vistos, não deram em nada.

Fomos uma vez lá só. Mesmo assim não há consenso quanto ao que se passou nessa reunião. O senhor presidente levou um mapa feito pelos serviços técnicos do Município, onde apareciam alguns traçados que, na altura, se achava que podiam tirar a Linha do centro urbano. Isto acabou por acontecer. O senhor presidente diz que não fez nenhuma proposta e realmente não fez nenhuma proposta fundamentada, com documentos, mas levou um mapa.

Acha que o processo foi mal gerido desde o início? Acha que se fosse desde logo tratado por esta comissão, a situação estaria noutro ponto?

Quando fui a Lisboa com Miguel Costa Gomes, acho que fomos de alguma forma numa espécie de folclore para dar uma ideia de que havia alguma representatividade. Mas depois, por sucessivas vezes, pedimos informação sobre a Linha e a forma como o presidente estava a gerir o caso e as respostas foram nulas. Era o sentimento do Bloco e de outros partidos: estávamos fora desta questão e tínhamos servido numa primeira fase para dar a ideia de que havia um envolvimento, mas depois na prática política, como vem acontecendo, foi tudo para inglês ver.

Não é tempo também de o Governo fazer alguma coisa?
Acho que sim e essa pressão tem sido feita, penso que determinadas questões não foram sequer pelo poder central equacionadas. A APA diz sempre que não lhe compete apresentar projectos, que eles são da responsabilidade do promotor da obra, da REN, e nesse aspecto, Miguel Costa Gomes parecer ter uma relação privilegiada com a REN, porque já se encontrou várias vezes com representantes da REN e até com o próprio empreiteiro, e nós, que temos pedido sucessivos encontros, nunca fomos recebidos. E é fácil perceber porquê. É muito mais fácil ao promotor negociar com quem detém o poder, no caso é Miguel Costa Gomes, do que dialogar com uma comissão constituída por vários partidos e várias sensibilidades.

Não acha que estarão por detrás interesses não perniciosos?

Não vou por aí. Quem tem aqui interesses muito sérios é a REN, que é poderosíssima, que consegue comprar tudo o que estiver à sua volta e há vários casos de populações que não conseguiram sequer interpor acções judiciais porque nenhum advogado as aceitou representar. A força da REN é tremenda. O que a REN fez, fê-lo com cobertura da APA e de vários organismos. À APA compete fiscalizar o cumprimento das várias prerrogativas, mas não o fez, porque se o tivesse feito já tinha percebido que uma Linha a passar pelo centro urbano era uma aberração e só percebeu isso quando lhe foi dito. E depois esperou que fosse o promotor a propor uma alternativa. O que acho, e o tempo dirá se estou enganado ou não, é que o presidente da Câmara já traçou, com a REN, um cenário em que a Linha desvia aqui e acolá, mas que será uma realidade. Acho que ele próprio considera isto uma inevitabilidade, mas será só se os cidadãos quiserem, porque da última vez que estivemos em Lisboa, deixamos uma coisa muito clara, a luta na rua.

Não concordam com a solução do desvio para a A28?

O desvio seria uma solução dentro das soluções menos má, mas acho que a posição da comissão tem de ser só uma, refutar por completo a Linha. Na Galiza (a conferência com a eurodeputada que guiou o processo na Galiza, Lídia Senra, será a 12 de Maio), houve o mesmo tipo de pedido, suspensão, e a Comissão Europeia ainda não chegou a acordo com o promotor para um novo traçado, mas ele, a acontecer, não colocará nenhum dos pressupostos que eles defendem em causa. Se partirmos para a questão dizendo que enterrar a Linha é menos má, ou coloca-la junto à A28, a REN simplesmente não vai ligar patavina. A discussão tem de ser uma posição de força e, a haver mudanças, elas terão de ser mesmo significativas. A solução da A28 era a ideal, porque a exposição contínua aos campos eletromagnéticos não existiria. Penso que a REN não opta por isso por uma questão de números, mas a saúde pública não são números. Acho que a REN irá chegar à conclusão que terá de dialogar com esta comissão e penso que o panfleto que foi feito terá força suficiente para que a REN deixe de pensar que está a lidar com pessoas que vão deixar isto acontecer de mão beijada. Entretanto, a REN continua sem responder às nossas solicitações de reuniões. Na última reunião que tivemos com o secretário de Estado da Economia e os assessores, estes ficaram muito surpreendidos por não ter havido por parte da REN e da APA uma auscultação às populações e os períodos de consulta pública, coincidentemente, foram feitos em épocas de férias. São assim em todo o lado. E a consulta foi quase só na Câmara, que não deu o devido eco das coisas. O PDM define as linhas que regulamentam o território e esta Linha vem alterar muita coisa. Penso qe do ponto de vista legal também haverá problemas. É um duelo de David e Golias, sendo que todos sabem que é o David e o Golias. Eles têm uma força económica brutal e torna-se muito complicado conforntá-los. A única força que temos é pelas pessoas.

 A manifestação parece cada vez mais inevitável.

Penso que chegará o ponto em que as pessoas se irão manifestar abertamente. Espero que assim seja, de forma ordeira e pacífica, mas que aconteça.

O Bloco sempre defendeu a remunicipalização da água, o presidente da Câmara veio agora levantar um pouco o véu da terceira alternativa, que é uma sociedade com os privados em que o público não deterá a maioria. Como vê esta proposta e das três conhecidas qual a melhor? O Bloco só aprovará o resgate?

Defendemos a remunicipalização do serviço e isso significa uma Câmara atenta aos problemas dos cidadãos, a tal Câmara de cidadania. Acho que a Câmara não quer a remunicipalização porque não se acha capaz de gerir uma estrutura deste nível, por isso, tem medo de entrar neste negócio de forma a ter uma posição maioritária. Está a tentar fazer um acordo em que fique numa posição minoritária, em que a sua participação seja apenas de opinião e de fiscalização, deixando o assunto como está. E se puder poupar alguns milhões, melhor.

Como o BE pensa tornar a concessão viável? Já falou no contributo do IPCA, quer esclarecer?

Se o problema da Câmara é não ter a capacidade de gestão de um serviço como este, e sendo o IPCA uma instituição que está ligada à área da gestão, contabilidade, penso que, através de protocolos, integrando na Câmara estagiários ou finalistas, esta só tinha a ganhar. A Autarquia só tem de aproveitar este instituto na gestão dos ser serviços. Se vamos gastar mais dinheiro numa primeira fase? Acho que sim, mas penso que depois seria perfeitamente recuperável, mas a Câmara não tem visões largas, tem medo desta gestão.

O PCP acusa o Bloco de defender a remunicipalização, mas de não explicar como. Se fosse presidente como fazia?

O PCP também não acrescenta muito, diz só que rasgava o contrato, mas penso que estas situações não se resolvem assim, rasgando um contrato sem responsabilização. Penso que o governo central teria de ter um papel muito activo em termos de Orçamento do Estado e na organização dos serviços. As propostas terão de ser discutidas na AM e se não foi a remunicipalização, obviamente, o BE votará contra. Estamos numa situação em que parece que vamos ter de pagar a indemnização e ficar sem a água. Pelo menos ficamos com a água.

 A água e a PPP marcam os dois mandatos do actual executivo. A água levou Costa Gomes à Câmara, acha que pode ser ela a tirá-lo de lá?
O presidente recebeu uma herança pesada, o caso está em tribunal para se apurar as responsabilidades, mas oito anos foram tempo suficiente para resolver este assunto. O que está a acontecer agora, e que me parece visível, é que Costa Gomes vai tentar empurrar este caso para depois das eleições e quem vier, se for ele, logo se verá, se for outro, que resolva o problema. Isto é fazer política de engana tolo, serve o momento político deste ou daquele na luta pelo poder, mas não serve o interesse das populações e se a água o afundar, paciência, é porque não estava preparado para nadar neste mar agitado.

 

O BE chegou a ser sondado para a formação das listas?

Formalmente não foi, mas há sempre uns pontas-de-lança que fazem perguntas. Esses pontas-de-lança normalmente jogam no PS.

 Mas de que PS?

Vieram dos dois lados, mas sempre de uma forma velada, não procuraram a estrutura no seu conjunto, procuram uma ou outra pessoa e sondaram. Fui uma dessas pessoas. A partir do momento em que o partido teve a sua convenção autárquica – a posição já vinha da convenção nacional – e que decidiu que não haveria acordo, as coisas ficaram resolvidas. Depois das eleições, será outro cenário e estamos disponíveis para fazer as parcerias que forem necessárias para ter um Governo equilibrado que respeite os cidadãos, porque o Executivo de Costa Gomes não tem tido esse papel. Faz maquiagens momentâneas da situação, mas não tem uma política social que defenda aqueles que menos podem.

 Não acredita que haja uma maioria?

Vejo difícil que neste momento alguém a consiga. O PSD podia ter essa oportunidade, mas acho que essa oportunidade já passou. Quando foi anunciado Sérgio Azevedo pensei, ‘arranjaram alguém pacífico, afastado de qualquer confusão… o PSD está no caminho certo (para eles, errado para nós)’. O problema é que são sete cães a um osso e foi na altura em que ele foi deixado para trás, que o PSD meteu água.

Em caso de não haver maioria e se for eleito, gostaria de ficar com o pelouro da Acção Social ou com a Cultura, por aspectos pessoais?
O pelouro da Acção Social é cativador. Em relação à Cultura, tenho um entendimento diferente daquele que se passa, que é trazer as associações para o seio das políticas culturais. As associações vivem muito do subsídio camarário e depois estas fazem uma coisa aqui outra acolá, desgarrada, mas defendo uma política consertada em que, em dois momentos a Câmara abra candidaturas para projectos culturais. Depois a Câmara avalia se dá o apoio financeiro, material… as associações têm de dar provas concretas de trabalho e isso vai-nos enriquecer a todos. Mas qualquer pelouro que tenha a ver com as pessoas seria um pelouro que aceitaria com todo o gosto.

Entrevista

Barcelos Popular
Texto
27 de Abr de 2017 0

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