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"Pelo Hi5 tenho quebrado alguns mitos e dado outra imagem da Igreja"

João Paulo Coelho Alves, pároco de Macieira, Gueral e Courel

Sacerdote barcelense também aderiu à "moda" das comunidades virtuais.

Os últimos anos marcaram o início de um novo capítulo na história da comunicação humana, com a popularização das redes sociais, que, através da Internet, conectam milhões de indivíduos. João Paulo Coelho Alves, de 31 anos, é pároco em Macieira de Rates, Gueral e Courel e também está presente no Hi5, a rede virtual mais popular em Portugal. Natural de Celorico de Basto, João Paulo Alves mudou-se para Barcelos há seis anos, naquela que foi a sua primeira experiência de sacerdócio. Actualmente, frequenta o Doutoramento em Direito Canónico, em Salamanca, Espanha.

O que leva um sacerdote a criar uma conta no Hi5?
Não teve tanto a ver com o facto de ser padre, mas pela troca de experiências, pela amizade e por curiosidade.

Há quanto tempo está registado? Está presente noutras redes sociais?
Há um ano, sensivelmente. Só tenho conta no Hi5 e, em consequência, no Messenger.

Que partido tira da tecnologia? Evangelizar é o objectivo?
Não foi com essa intenção que me registei. Isto é uma consequência da educação actual que temos na formação de sacerdócio, em que a evangelização não é feita tanto pelo anúncio por palavras, mas sim pela presença cristã.

Estudos mostram que as pessoas não são diferentes na vida real e quando estão em frente de um computador, estão é mais aptas a explorar, expressar e validar as complexidades do seu ‘eu’, porque estão livres da crítica e da censura que dominam na vida real? Acontece-lhe isso?
Continuo a mesma pessoa, tenho as mesmas crenças, os mesmos ideais e as mesmas atitudes. Mas reconheço que, pela Internet, as pessoas tendem a não corresponder àquilo que realmente são. Não significa que sejam ficcionais, mas por detrás de um monitor estarão mais aptas a extravasar vontades e, muitas vezes, mesmo sem querer, manifestam-se como realmente são.

A sua presença no Hi5 e consequente exposição não suscitaram incredulidades ou problemas nas paróquias que administra?
Não, por enquanto não. É verdade que tem suscitado curiosidade e admiração, mas problemas não. Ainda vivemos num meio a passar do rural para o urbano, a maior parte das pessoas não se apercebe destas novas realidades, embora a juventude encare com curiosidade e até brinque por eu estar no Hi5. No caso dos grupos de jovens, por exemplo, acho que foi positivo, porque antes consideravam-me distante e, agora, sentem-me mais presente e mais de acordo com eles.

Poderá ser uma forma de encurtar distâncias entre os padres e os jovens, principais utilizadores da tecnologia?
Sim, concordo, nesse aspecto o Hi5 permite encurtar distâncias e acaba também com algumas ideias pré-formadas que existem em redor do sacerdócio. Acho que tenho quebrado alguns mitos e dado outra imagem da Igreja.

A Igreja tem de se adaptar aos novos tempos?
Sim, e tem que marcar presença nas novas realidades, tentando usá-las pelo lado positivo e crítico, se for o caso. Nos aspectos que poderão ser prejudiciais, a Igreja também tem aí um papel importante, alertando para os perigos.

Não pude deixar de reparar, no seu perfil diz que é “comprometido”. Isso não tem criado más interpretações?
Por enquanto, não. Coloquei comprometido precisamente para não criar qualquer situação dúbia. Como assumo que sou sacerdote e tenho fotos que demonstram isso, creio que qualquer utilizador depreende que estou comprometido com Deus, com a Igreja.

Quando estabelece um contacto mais estreito no Messenger, a desconfiança é a primeira reacção?
Sim, a dúvida está quase sempre implícita. Começam por perguntar se sou mesmo sacerdote. Já houve vários casos em que as pessoas desconfiam que o perfil seja fictício.

Há algum registo mais recorrente nas conversas?
O mais usual é quererem tirar dúvidas e criticarem a Igreja. O desabafo também acontece, embora seja menos comum.

E como reage às críticas?
É intuitivo, de acordo com o que me vão dizendo, vou respondendo, tentando não ir contra a pessoa nem contra a Religião. Na medida do possível, tento esclarecer. Se as pessoas criticam é porque se preocupam, se interessam, e, de alguma forma, estão ligadas e comprometidas com a Igreja.

As redes sociais ganham cada vez mais popularidade. Graças a elas, milhões de pessoas estabelecem contacto. Qual a profundidade das relações que se criam?
Acho que se cria um relacionamento humano muito superficial, e isso é o seu maior defeito. O que conta é se a pessoa tem muitos amigos, muitas visitas, as melhores fotografias... Isto pode criar um afastamento da realidade, pois, na sua grande maioria, esses amigos são fictícios, virtuais.

Estas redes apregoam sobretudo a amizade, mas não será uma pseudoamizade, já que se criam laços que prescindem da cumplicidade, da dedicação, de tempo, de partilha...?
Concordo e acho que a definição de amizade está a banalizar-se e a deteriorar-se com o tempo. Tenho sérias dúvidas se favorecem a amizade. O desafio será ir mais além, criar encontros e estabelecer relações mais profundas. Em frente de um monitor é uma coisa, na vida real é outra, temos que nos apresentar genuínos, tal como somos.

Criou-se uma obsessão quase doentia em acumular amigos, onde o único mandamento é conhecer cada vez mais pessoas. Agora o que conta é a quantidade?
É uma grande verdade. Verifico que todos os dias estão 50, 60 pessoas a bater-nos à porta, a quererem ser nossos amigos. Como se criar amigos fosse assim!

Alguém que reúne ‘500’ amigos, por exemplo, sabe o que é a amizade? Acreditará na grandeza do sentimento?
Pode acreditar, porque nesses 500 terá dez que serão mesmo seus amigos do dia-a-dia, que conhece pessoalmente, que se relaciona... Mas também é verdade que isso cria uma ilusão, principalmente nos mais novos, quando se é mais vulnerável. A tendência é manifestarem-se como não são, geralmente para melhor, como se gostaria de ser...

Na sua opinião, a que se deve o sucesso destas ferramentas?
Acho que manifestam uma ânsia que está cada vez mais presente na sociedade, a de querer sempre mais, conhecer sempre mais, ter sempre mais amigos...e isso vai atrofiando as capacidades de relacionamento humano.

Entrevista

Barcelos Popular
Texto
20 de Mar de 2008 0

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